Pr Edmar dos Santos Pedrosa
RESUMO
Este artigo pretende analisar o contexto envolvido na conversão do apóstolo
Paulo de Tarso e como sua vida pretérita no judaísmo foi completamente
transformada a partir de seu encontro pessoal com Jesus Cristo no caminho
para Damasco. Para o correto entendimento do que se pretende analisar, suas
práticas pregressas serão comparadas às que adotou após a sua conversão ao
cristianismo.
INTRODUÇÃO
A Teologia, a contragosto de muitos, deve ser vista como ciência ao fazer
a síntese filosófica e teológica ao mesmo tempo. Orígenes de Alexandria, o
primeiro verdadeiro gênio entre os padres gregos da igreja, usando de sua
enorme criatividade, foi o inventor da teologia como ciência.2
Aliás, foi ele que
combinou fé com conhecimento e teologia com filosofia, possibilitando uma
mudança cultural que impactou o mundo.
A história, como ciência, será muito utilizada aqui até por ser, no entender
desse autor, irmã siamesa da teologia. Algumas dúvidas seculares serão aqui
levantadas, não com a proposta de solucionar a questão, quem me dera o
fosse, mas sim de oferecer alternativas interpretativas que forneçam hipóteses
plausíveis. Afinal, quem não quer saber qual era o estado civil de Paulo? Se
ele era casado ou permaneceu solteiro toda a vida? Será que não era viúvo e
perdeu a esposa e filhos de causas naturais ou acidentais?
É impossível escrever uma obra multidisciplinar como essa sem citar
teorias, estudos, ciências humanas e médicas e acima de tudo, teologia
composta pelas mais puras fontes, pois, falar de Saulo ou Paulo de Tarso, é por
si só, um enorme desafio ao tentar não ficar apenas “chovendo no molhado”.
Sei que qualquer tentativa de escrever a respeito da vida de uma pessoa é
por si só um desafio dos maiores que existe. Agora pense comigo: se a pessoa
já não estiver entre nós, maior se tornará esse mister; se for um personagem
bíblico então, só com temor e muito cuidado pode-se adentrar em tamanha
aventura.
Caso esse personagem porventura se trate de Paulo de Tarso, o apóstolo
aos gentios, aí só pela graça de Deus que essa missão pode ser completada
a contento. É exatamente o que peço a Deus em oração para discorrer,
doravante, sobre cada detalhe da vida daquele fantástico e inigualável homem
por ele escolhido e comissionado.
Na sua conversão, por mais doloroso que fosse, e não tenho dúvidas que
foi mesmo, Saulo precisava esperar aquelas longas 72 horas para dar início ao
seu definitivo processo de mudança. Doeu como dói a todos que se entregam
a Cristo.
Neste estudo, analisaremos algumas características da personalidade de
Paulo, um homem que foi um herói com duas faces, não com duas caras.
Era um homem de coragem destemida. Não temia a homens ou ao sistema
instituído, fosse ele judeu ou romano. Seu maior medo sempre foi desagradar
ao Deus que o resgatou da incredulidade.
Até o final da obra, compreenda quem foi ele no passado e quem veio a se
tornar depois, para ao final, perceber que na verdade, quem estava no divã o
tempo todo, era você mesmo e não ele. Será difícil? Não tenho dúvidas que
sim, porém, é na dificuldade que pessoas fortes são forjadas. Paulo se tornou
brilhante como nenhum outro. Faço coro com Robertson quando afirmou:
Excetuando o próprio Jesus, Paulo permanece para
sempre o principal representante de Cristo, o expoente
mais hábil do cristianismo, o seu gênio mais construtivo;
do lado meramente humano, o seu campeão mais
destemido, o seu missionário mais ilustre e mais
influente, pregador, mestre e mártir mais distinto. Ele
ouviu palavras do terceiro céu, “as quais não é lícito ao
homem referir” (2 Co 12.4), mas sentia-se ainda um vaso
de barro (2 Co 4.7).3
Conheça Paulo de Tarso mais intimamente e desfrute dos ensinamentos
que aquele controverso, porém, precioso apóstolo de Jesus, tem a te oferecer.
Espero que sua empreitada daqui em diante valha muito a pena e, modéstia à
parte, sei que valerá.
- O “PARTO” PAULINO NO CAMINHO DE DAMASCO
Todo encontro de um ser humano com o seu outro igual, tem o poder de
provocar uma grande transformação, seja ela para mal ou para bem. Se bem
conduzida essa relação estabelecida, mesmo que seja traumática no começo,
o drama inicial pode ser superado e transformado em uma experiência
impactante de vida.
O então Saulo de Tarso era um homem que poderia ser considerado como
alguém que venceu na vida e que havia superado as expectativas de todos
sobre sua existência. Foi um daqueles que provocava emoções nas pessoas,
sejam elas de medo, de admiração e até mesmo de inveja por verem até onde
ele tinha conseguido chegar com tão pouca idade.
Ele alcançou grandes coisas conforme seus planos pessoais, de seus pais e
até mesmo de seu mentor Gamaliel, entretanto aqueles não eram os planos de
Deus. E quando os planos não são de Deus, sabe o acontece?
Santo Agostinho de Hipona já explicava isso no quinto século da era cristã,
quando, semelhante a Saulo, olhou para trás e viu ter atingido seus intentos
pessoais, mas não os de Deus para sua vida. Refletindo profundamente sobre
aquilo, o brilhante homem de Deus orou: “Senhor, onde os meus planos não
são os seus, destrua-os!” Foi o que Deus fez com ele e com Paulo também, que
embora não tivesse pedido aquilo, já estava nos planos eternos do Senhor.
Deus marcou um encontro com ambos.
Encontros sempre podem provocar mudanças, senão em todos, mas sempre
naquele que passa a conhecer e ser conhecido pela visão do outro. O parto
pode ser exemplificado aqui como um encontro, onde finalmente, o olho no
olho se estabelecerá e duas pessoas que, até então só se imaginavam, passarão
a construir uma relação que será atravessada pela linguagem, e internalizada
paulatinamente enquanto o trauma do da parturiente e do nascituro cicatriza-se dando origem a um novo universo.
Essa experiência, de encontrar o outro, vai muito além do contato físico
apenas, mas em especial, pela especial capacidade que o novo ser (o bebê) tem
de atrair o olhar do outro (geralmente a mãe ou figura representativa desta).
Se submetendo assim a uma possível reciprocidade que o fará amadurecer na
sua capacidade de olhar.
Não poderíamos deixar de mencionar aqui o fenômeno chamado de
mimetismo, que nos ensina a respeito da imaturidade orgânica de algumas
espécies e que pode ser aplicada na compreensão do olhar de um recém nascido. A professora Vanessa Sardinha dos Santos explicou didaticamente
a questão:
O mimetismo é um mecanismo utilizado por algumas
espécies, em que se observa uma espécie imitando
outra, sendo essa imitação física ou comportamental.
O mimetismo é uma técnica utilizada por diferentes
organismos e pode ser conferida de três formas:
mimetismo de ataque, em que o organismo mimético
é o predador; mimetismo defensivo, no qual a presa
é mimética para afastar seu predador; e o mimetismo
reprodutivo, o qual é realizado por plantas que se
assemelham às fêmeas de seus polinizadores.4
Pensando a partir do mimetismo, e também evocando o pensamento
de Lacan, entenderíamos como processual essa formação da identidade do
sujeito. Os neurônios serão transformados sob a luz do olhar do outro e a
linguagem dará forma e cor às emoções desenvolvidas a partir dessa troca.
O ingresso no mundo juvenil dispara a toda velocidade o motor de todos os
desvarios humanos: o desejo mimético de que fala René Girard, onde o objeto
não atrai por suas qualidades intrínsecas, mas por ser simultaneamente
desejado por um outro, que Girard denomina o mediador.5
Com Paulo seu parto para a nova vida com Cristo não foi diferente
daquele que ocorre com um recém-nascido. Foi traumática – e muito! Ele
mesmo assumiu essa realidade quando disse aos Coríntios que seu chamado
missionário ocorreu ao mesmo tempo de sua conversão – e não foi fácil.
Ele afirmou que nasceu tardiamente ao contar que “E, depois de todos,
apareceu igualmente a mim, como a um que nasceu fora do tempo. Pois sou o
menor dos apóstolos, nem mereço ser chamado apóstolo, porquanto persegui
a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou. E a sua graça para
comigo não foi inútil”.6
E não foi só isso. A cosmovisão Paulina estava tão alicerçada no judaísmo
farisaico que para ele foi necessário lutar e muito para deixar sua zona de
conforto e nascer para a vida nova a qual foi chamado. Nascer de novo implica
em perder algo. Numa intrigante série do canal Netflix denominada “Dark”
ocorre um diálogo muito interessante entre um jovem chamado Jonas e seu
interlocutor, no caso, ele mesmo, porém já idoso e vindo do futuro.
Ambos estão na mesma cena interagindo entre si e então o seu “eu mais
velho”, em forma de conselho, disse ao mais novo: “Todos passam por três
perdas importantes na vida – a da ingenuidade, a da inocência e a da própria vida em si, sendo isso algo inevitável”.7
Não foi diferente com Paulo.
Saulo ainda não tinha o que dar para o reino de Deus. Existe um ditado
latino o qual assevera que ninguém pode dar aquilo que não possui e, nem dar
mais do que tem. “Dare nemo potesti quod non habet, neque plus quam habet”.
Por isso, até aquele momento não se poderia exigir algo dele que justamente
não tinha nem para si mesmo. Todavia aquilo ia mudar drasticamente.
Quando estava caído ao chão diante da luz celestial que brilhou para si,
Saulo perguntou: Quem és, Senhor? Respondeu ele: Eu sou Jesus, a quem
tu persegues. Duro te é recalcitrar contra o aguilhão.8 Tal evento foi tão
marcante que Paulo repetiu isso novamente conforme narrado por Lucas no
livro de Atos com um pequeno acréscimo: “E, caindo nós todos por terra,
ouvi uma voz que me falava, e em língua hebraica dizia: Saulo, Saulo, por que
me persegues? Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões”.9
Convém lembrar que ele tinha um pensamento a respeito do Jesus que
não havia conhecido pessoalmente, mas que tanto ouviu sobre ele. O que
ele sabia a seu respeito era fruto daquilo que ouvia nos círculos religiosos
rabínicos que frequentava. Ele via Jesus como um usurpador ou uma farsa e
não como o Messias esperado.
Como líder religioso e zeloso pelas leis judaicas, era demais para Paulo
suportar aquilo, especialmente porque dia após dia mais e mais seguidores
se uniam àquela que eles chamavam de seita do caminho, ou seja, os
convertidos aos ensinos de Jesus.
O então Saulo de Tarso, liderava e comandava uma equipe que tinha
como missão, encontrar aquelas pessoas, persegui-las, prendê-las e se fosse
necessário, matá-las. E ele desempenhou muito bem aquele papel, tanto
que o simples ato de pronunciar de seu nome gerava terrores e calafrios nas
pessoas de sua época.
O homem era perspicaz e muito devotado àquilo que acreditava e defendia.
Gardner explicou os porquês:
A despeito de sua cidadania, ele foi criado numa família
judaica devotada, da tribo de Benjamim. Recebeu uma
instrução cuidadosa na lei judaica e se tornou fariseu.
Também descreveu a si mesmo como “hebreu de hebreus”.
Foi criado de acordo com o judaísmo e circuncidado no
oitavo dia de vida; portanto, era zeloso na obediência
de cada ponto da lei mosaica (Fp 3.5,6). Paulo era tão
zeloso da lei e de sua fé que, em certa época de sua vida,
provavelmente no início da adolescência, viajou para
Jerusalém, onde foi aluno do mais famoso rabino de sua
época. Posteriormente, disse aos líderes judeus: “E nesta
cidade criado aos pés de Gamaliel, instruído conforme a
verdade da lei de nossos pais, zeloso de Deus, como todos
vós hoje sois” (At 22.3).10
Os primeiros discípulos conheciam bem daquelas qualidades paulinas e
temiam-nas muito, tanto que Lucas chegou afirmar que Saulo simplesmente
respirava ameaças de morte contra eles.11 Era uma fera raivosa. A perseguição
perpetrada por ele contra a igreja era tão violenta que a Bíblia deixa claro
que “Saulo assolava a igreja, entrando pelas casas e, arrastando homens e
mulheres, os encerrava na prisão”.12 - VIVER É LUTAR – DESDE CEDO
No caminho para Damasco de onde certamente seus informantes haviam
delatado a reunião de muitos cristãos, Saulo partiu em viagem transbordando
ódio e ao mesmo tempo satisfação pelo dever que acreditava estar cumprindo,
porém, como um bebê no ventre materno aos nove meses, mal sabia ele que
sua gestação havia chegado ao fim. Ali naquele caminho seria o seu momento
de nascer, sua verdadeira maternidade ao ar livre.
Como todo parto, a entrada na nova vida seria traumática. Jesus foi o
obstetra e pessoalmente o fez olhar na direção certa, ou seja, para a luz, bem
como o derrubou do alto de seu orgulho e empáfia colocando-o prostrado no
chão em total submissão e reverência a si reconhecendo que ele não detinha o
controle das coisas nem o poder sobre si, Deus sim.
Jesus falou com ele indagando os porquês de sua feroz perseguição contra
si, fatos esses que o levaram a cair ao solo de tamanho temor, como que se
rendendo ao seu interlocutor. Para um homem da estirpe de Saulo, aquele
ato foi muito significativo, pois antes, ele não havia se prostrado diante de
ninguém.
Com o tamanho histórico pessoal e com uma cosmovisão tão alicerçada nas
leis judaicas, aquele parto duraria exatamente três dias. Não seria um parto
natural ou humanizado, mas forçoso e à fórceps. Saulo não queria nascer.
Só uma ação miraculosa seria capaz de desconstruir um religioso daquele e
transformá-lo num humilde servo.
Quando esteve preso e contou seu testemunho ao rei Agripa, ele acrescentou
uma informação fundamental – a de que resistia bravamente a ser convertido,
tanto que Jesus se apresentou a ele no caminho de Damasco e lhe disse: “é
inútil resistir ao aguilhão”. Paulo estudava o cristianismo e conhecia as
histórias de Jesus de Nazaré, pois eram praticamente contemporâneos, mas
recusava se sujeitar a ele. Deus o cercava por todos os lados para convertê-lo,
porém ele resistia ferozmente.
Como profundo conhecedor do Antigo Testamento, ele sabia que Deus o
havia escolhido desde sempre. Aos Gálatas ele afirmou isso ao dizer que “Deus
me separou desde o ventre de minha mãe e me chamou por sua graça”.13 Como
tantos homens e mulheres na história do cristianismo ele protelou o quanto
pôde aquele encontro, mas um dia Deus tomou a iniciativa e lhe disse: Basta!
Pare de recalcitrar. É inútil resistir ao amor divino. Você é meu e tenho uma
missão para você.
Por recalcitrar, devemos entender que Paulo não queria mudar a condição
em que se encontrava, e justamente por isso lutou muito contra si e contra
Deus. Conforme foi dito por alguém, a impermanência faz parte da vida. O
sofrimento é o resultado do querer que as coisas sejam permanentes quando
não são.
Aquele tipo de resistência ainda é muito comum a tantos que tem um
encontro com Deus. Não entendem os motivos, acham que não tem méritos, e
que talvez Deus esteja equivocado naquilo. Outros simplesmente não querem
e fazem de tudo para recusar aquela graça concedida. Às vezes é simplesment
por medo. Com o cantor brasileiro recém convertido Rodolfo Abrantes ocorreu
algo semelhante, como ele mesmo testemunhou centenas de vezes.
O ex vocalista de uma famosa banda de Punk Rock nacional em sua fala
sempre diz: “eu bem que tentei ficar igual, mas não consegui”. Essa é também
a letra de uma de suas músicas após a conversão em que ele quer dizer
exatamente isso: “Eu tentei continuar fumando meu bagulho, eu tentei ficar
na banda, mas não consegui mais diante da revelação do amor dele por mim”.
Na letra de sua autoria ele canta:
Eu bem que tentei ficar igual
Sonhando com o Sol em plena luz do dia
Dormindo enquanto a vida acontecia
Mas ouvi o som dos Teus passos
E de repente acordei em Teus braços
Eu vi, no mundo onde estou
E do qual já não sou
Teu amor deseja vir
Minha arma é saber que o verbo encarnou
Se fez humano, sendo divino veio a nós
E nos chamou para ser como Ele é.14
A ação humana não tem mesmo o poder de frustrar os planos eternos de
Deus em uma vida. Eles entenderam isso na prática.
Tanto ele quanto Paulo mal sabiam que, como diz a bela canção moderna,
Deus estava pintando sua história e o pincel era a Cruz do autor. Diz a letra
que “O maior pintor do mundo, está pintando a minha história, e ela não tinha
cor, a cruz foi o pincel do autor. O maior pintor do mundo, está pintando a
minha história, ele assinou na obra que sou eu e na assinatura está escrito,
Deus”.15 E ele precisava mesmo ver aquilo, com todas as cores.
Seus olhos precisavam ser descontaminados da vida velha e reabertos em
total novidade. Para se manter focado, era necessário que seus olhos fossem
bem fechados evitando assim distrações paralelas. Ele precisava tomar uma
decisão imparcial e por isso foi necessário cegar-lhe os olhos.
Como um severo executor da Lei, ele não enxergava a justiça de Deus.
O encontro com Jesus o derrubou do alto de suas certezas cegas.16 Ele ficou
completamente cego naquele encontro e precisou ser conduzido pela mão de
terceiros até um local onde permaneceria em reflexão profunda a respeito
do que havia lhe acontecido, e ali poderia remoer bastante o quanto de erros
cometeu por acreditar em uma falácia que lhe havia sido ensinada desde o
berço materno quanto ao Messias.
Pessoas precisaram morrer, muitas por sinal, para que ele pudesse enxergar
a verdade que liberta e pela qual vale a pena morrer e não matar. Seria duro o
processo para entender e aceitar aquilo, todavia três dias de clausura já seria
um bom começo. Dá para imaginar a tamanha humilhação para o até então
altivo, orgulhoso, todo poderoso e temido Saulo de Tarso que agora precisava
ser amparado até mesmo para fazer algo tão simples, quanto dar um passo.
Duvido que ele tenha conseguido dormir naqueles dias que se sucederam.
Fome e sede sabemos com certeza que passou17, por outro lado, sou levado a
acreditar que uma companhia certamente não lhe faltou por horas a fio – as
lágrimas.
Gardner nos contou que Saulo esperou três dias, sem comer nem beber,
na casa de Judas, onde aguardou a visita de Ananias e que aquele tempo sem
comer nem beber provavelmente foi um jejum de arrependimento, pois a
Bíblia diz que, quando um servo de Deus chegou, encontrou-o orando (v.11).18
Depois da oração de Davi que durou sete dias e sete noites19 quando soube
que seu filho com Bate Seba morreria exclusivamente por conta do pecado seu
com ela, certamente aquela foi, senão a segunda, pelo menos uma das orações
mais longas registradas nas escrituras sagradas.
Três longos dias e noites que se passaram como um raio diante de tudo que
ele precisava rasgar o coração perante Deus. Eram tantos arrependimentos,
tantos pedidos de perdão, tantos nomes e rostos de pessoas que ele havia feito
mal e que agora apresentava diante de Jesus, como num relatório da alma.
De todas as lembranças, certamente a mais recente delas era a que mais
o “assombrava” – a morte de Estevão. Aquilo marcou Paulo profundamente
pois a contragosto ele havia aprendido que o mal sempre vence com o bem. - VENÇA O MAL COM O BEM
A face de Estevão a quem de forma cruel e tirânica havia determinado a
morte por apedrejamento, não devia sair da mente dele naquelas horas de
oração. Aquelas eram as brasas vivas que estavam sobre sua cabeça o tempo
todo. Poucos dias haviam se passado desde aquela execução em que Saulo,
no alto de sua postura arrogante, consentiu e teve as roupas do pobre homem
depositadas aos seus pés. As palavras de Estevão, sua oração, o perdão
concedido aos seus executores e sua face iluminada olhando para o céu, devem
ter marcado profundamente Saulo.
Saulo executou muitos outros cristãos, e no filme21 que retrata sua vida, o
protagonista relatou a Lucas na prisão romana de Marmetina algo impactante
quanto os rostos das incontáveis vítimas que sua perseguição voraz produziu.
Assim que foi acordado por Lucas depois de mais de um de seus pesadelos
angustiantes, em que gritava bastante dormindo, ele explicou:
“O diabo se esgueira na escuridão deste lugar. Me tenta dia e noite. Me
lembro dos terríveis espinhos em minha carne. Eu sou assombrado por mim
mesmo quando criança. Eu quero alertá-lo do caminho que ele seguirá, e
após um profundo suspiro ele prosseguiu: todos estes anos eu ainda os vejo,
eu os vejo aguardando em algum lugar, mas eu não sei que lugar é esse […]
o significado sempre me escapou. E assim ele completou tristemente sua
explicação: O diabo nos ‘aperversa’ e cochicha que eles não encontraram a
paz, nenhuma alegria”.
É claro que ele estava falando de seus remorsos oriundos de uma vida
pregressa e cruel. Não precisamos ser profissionais da área da saúde mental
para imaginar que rostos de pessoas que executamos cruelmente em meio aos
gritos de pavor e pedidos de misericórdia, não se apagam da mente com o
passar do tempo. Aquelas memórias deviam mesmo assombrar o apóstolo. Ele
não via a hora de reencontrar aquelas pessoas no céu, especialmente lideradas
pelo mártir Estevão.
Muitos defendem que aos seis anos de vida Saulo já começou sua instrução
no livro da Tora, em toda lei judaica e nos rituais do templo de Jerusalém,
o centro da autoridade religiosa daquele povo. No entanto, ele cresceu e
viveu entre pessoas pagãs e as múltiplas crenças coexistiam frequentemente
em conflito contra o que ele acreditava ser a verdade. Religiões de culto
prosperavam muito e na mesma velocidade desapareciam. Para Saulo, só
havia uma fé que determinava um só caminho para o único Deus – o judaísmo.
Estevão contestava as leis do templo e multidões se reuniam em torno dele
para ouvir os ensinos a respeito de Jesus. Por isso ele foi preso e acusado
de blasfêmia, contudo, ao invés de ficar amedrontado, ele preferiu desafiar
os judeus em seu discurso dizendo: “Povo rebelde, obstinado de coração e
de ouvidos! Vocês são iguais aos seus antepassados: sempre resistem ao
Espírito Santo!”22 Nem precisamos dizer o quanto aquilo os irritou.
A sequência de verbos usados por Lucas para narrar aquele fatídico
episódio já fala por si. Ele descreveu que eles ficaram furiosos, rangeram
os dentes, taparam os ouvidos, gritaram bem alto, lançaram-se todos juntos
contra ele, arrastaram-no para fora da cidade e apedrejaram-no. Resumindo:
eles ficaram fora de si por causa do ódio que sentiram. Esqueceram-se até
de que não poderiam causar tumultos e muito menos matar alguém sem o
consentimento romano.
Estevão foi arrastado para fora dos muros e teve ali o seu destino selado,
tendo Saulo a missão de dar o sinal para que o apedrejamento tivesse início.
Aquela era a lei do templo, a qual todos eles defendiam com unhas e dentes.
Antes de morrer, Estevão perdoou seus assassinos, porém Saulo, esse não
sabia o que era perdoar – não por enquanto! Estevão derrotou publicamente
aquele homem orgulhoso e aquilo era imperdoável para ele. Robertson
comentou que:
Não podia resistir a este homem cheio do Espírito. Poucas
coisas atrapalham tanto um homem de cultura como o
ser vencido numa discussão pública, seja por zombaria
ou pelo peso do argumento irrefutável. Estevão era muito
zeloso e apaixonado. Perante ele sumiram-se a agudeza
crítica e as sutilezas teológicas de Paulo. Este foi derrotado
e exasperou-se com a derrota.23
Estevão o derrotou e por isso Saulo o matou. Logo depois Jesus é quem
vai derrotá-lo, e ali ele não vai ter condições de matá-lo, mas será morto por
ele. Depois daquele acontecimento público e notório, a notícia se espalhou de
forma rápida e pandêmica. Exatamente por conta daquele episódio, muitos
cristãos fugiram com medo daquele homem cruel e vingativo, e passaram
a buscar refúgio em alguns lugares estratégicos, como Chipre, Antioquia, e
acima de tudo, em Damasco.
Agora coloque-se no lugar de Paulo no divã e reflita sobre isso. As memórias
dele quanto a Estevão devia incomodá-lo muito, tanto que ele comentou isso
em sua última entrada no templo de Jerusalém quando provocou um tumulto
e foi por isso preso. Ele confessou aos seus ouvintes que “E quando foi
derramado o sangue de tua testemunha, Estêvão, eu estava lá, dando minha
aprovação e cuidando das roupas dos que o matavam”.24
É possível que pouco antes de sua conversão quando intentava prender os
cristãos e pôr um fim na seita do caminho como eles os chamavam na época,
Saulo não conseguia entender e aceitar a atitude daquele homem piedoso
que os perdoou mesmo diante do seu martírio e morte. Não se esquece de
uma cena como daquelas facilmente. Paulo estava acostumado com outras
posturas de seus prisioneiros e não com algo daquela magnitude santa.
Quando estava passando pela Galileia seguindo rumo a Damasco, Paulo
lutava com seus pensamentos a respeito de Jesus e do perdão concedido a ele
por Estevão. Aquilo devia atormentá-lo e sua memória se voltava ao terrível
destino daquele homem por ele morto. Estevão havia perdoado o homem
que o mandou matar! Aquilo não fazia nenhum sentido. - NÃO PRATIQUE O MAL, ESPECIALMENTE CONTRA DEUS
Deus é santo, eterno, soberano e possuidor de uma infinidade de atributos,
e mesmo assim pode ser “alvo” de um mal praticado contra si. Como assim?
Certamente você deve estar se perguntando – pelo menos eu estou. Saulo de
Tarso responde bem a essa profunda indagação. Ele perseguia vorazmente
a Deus, praticava um mal enorme contra Deus, justamente por perseguir,
torturar e matar os servos dele.
Alertado ele foi por seu mentor Gamaliel, quando esse se posicionou
diante da crescente preocupação dos fariseus com o exponencial aumento
dos convertidos ao movimento de Jesus. Eles queriam partir para a violência
só não o fizeram graças ao alerta dado pelo rabino mais influente. O sábio
professor os admoestou a deixarem aquele povo em paz, pois se fossem falsas
as esperanças deles, logo tudo aquilo ruiria.
Contudo, caso fossem verdadeiras as razões daqueles seguidores bem
como a divindade messiânica de Jesus, perseguir os cristãos seria o mesmo
que fazer oposição ao próprio Deus.25 Paulo estava tão cego que até pode ter
ouvido aquela instrução, mas não deu a menor bola para ela, afinal de contas,
deve ter pensado que os mestres também cometem erros – não naquele caso.
Como estava no auge da carreira, talvez Paulo já se sentia maior até do que o
próprio rabino.
Não restam dúvidas de que tudo que se faz a pessoas, a Deus se faz. O
próprio Jesus ensinou a este respeito, provocando uma verdadeira confusão
mental em seus discípulos.26 Falando sobre o fim dos tempos ele disse que
teve sede, fome, esteve nu, doente, encarcerado e desabrigado, entretanto
foi por eles atendido e socorrido. Os discípulos olharam uns para os outros
tentando relembrar quando, naqueles três anos de caminhada juntos, os viram
naquelas condições. A resposta era óbvia – nunca. Não estavam sofrendo de
uma amnésia coletiva.
Eles achavam que nunca tinham visto Jesus naquelas condições e, por
consequência, nunca o haviam socorrido. Estavam errados. A explicação de
Jesus foi intrigante ao dizer-lhes: “Em verdade vos digo que quando o fizestes
a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. E ainda completou
sua fala condenando aqueles que agiram contrário àquilo, como era o caso de
Saulo antes da conversão. Com Jesus é assim, o que fazemos aos outros, seja
bom ou mau, na verdade a ele é que estamos fazendo. Essa é uma realidade
aterradora, porém, reconfortante.
Saulo não apenas não socorria os pequeninos como também os assolava.
Ele era quem, mais severamente depois da execução cruel de Estevão,
provocava sede, fome, nudez, doenças, encarceramento e uma multidão de
desabrigados. O livro de Atos, a partir do capítulo oitavo, descreveu aquilo
tudo chamando de “grande perseguição contra a igreja em Jerusalém”.27
A igreja estava profundamente enlutada, triste e fugindo dispersas
para todos os lugares, tudo para não serem vítimas do ódio daquele
sagaz perseguidor. De alguma forma, Saulo tinha consciência da vileza e
profundidade do mal que praticava. Ele no mínimo suspeitava que podia ser
errado o que fazia. Observe que, quando estava no caminho para Damasco e
ouviu a voz questionadora do céu perguntando “por que me persegues?”, sua
resposta imediata foi também em forma de indagação – ele perguntou “Quem
és, Senhor?”.
Note o grau de reverência na pergunta bem como o endereçamento dela
– ele reconheceu quem falava com ele. A confirmação veio imediatamente
quando o autor da voz se apresentou dizendo “Eu sou Jesus, a quem tu
persegues” completando a apresentação com a informação de que Saulo
fugia dele há tempos.
Enfim o homem se rendeu, compreendeu aquela verdade ali disparada
em sua face e fez mais uma pergunta: “Senhor, que queres que eu faça?”.
Exatamente naquele ponto veio a confirmação de que Saulo perseguia na
verdade a Deus, quando ele perseguia a igreja de Deus, ou seja, as pessoas
que a compunham. Reconhecer aquilo deve ter-lhe machucado demais.
Lembremos que, como rabino que era, ele conhecia bem das escrituras
sagradas bem como do resultado que a ira de Deus provocou em pessoas e
nações que agiram de maneira igual ou pior que ele.
Saulo achava que herdaria a eternidade com Deus justamente por conta
de seus méritos humanos. Suas obras e respeito às leis eram sua caução,
sua verdadeira garantia. O mal que fazia as pessoas, para ele não era
verdadeiramente um mal, afinal de contas, ele achava estar fazendo um bem
ou favor a Deus.
Ele sabia que só um tipo de pessoa viveria na presença de Deus
eternamente. Em um dos 150 Salmos, aquelas poesias tão decoradas por
qualquer judeu religioso, conforme contidos nas escrituras sagradas, não
deixava e menor margem para dúvidas:
Senhor, quem habitará no teu santuário? Quem poderá
morar no teu santo monte? Aquele que é íntegro em sua
conduta e pratica o que é justo, que de coração fala a
verdade e não usa a língua para difamar, que nenhum
mal faz ao seu semelhante e não lança calúnia contra
o seu próximo, que rejeita quem merece desprezo, mas
honra os que temem ao Senhor, que mantém a sua
palavra, mesmo quando sai prejudicado, que não empresta
o seu dinheiro visando lucro nem aceita suborno contra o
inocente. Quem assim procede nunca será abalado!28
Saulo era exatamente o oposto daquilo, não obstante achasse estar
completamente dentro daquele padrão divino determinado. É incrível o
poder que uma religiosidade patológica tem de cegar seus adeptos e causar
separações.
O próprio povo de Israel deve sua origem a separação entre os dois irmãos
gêmeos, Esaú, de quem muito se esperava, e Jacó um verdadeiro “zero à
esquerda”. Graças ao desprezo do primeiro pelas coisas sagradas e a esperteza
do segundo devidamente ajudado por sua mãe, Jacó assumiu o protagonismo
na família, cabendo a ele o parto da nação israelita e da religião judaica
posteriormente.
Esaú, por outro lado, deu origem ao povo Edomita. A maior característica
deles era justamente sua oposição ferrenha ao povo de Israel. Eles não
economizaram maldades, aliás, foram muito criativos quando o assunto era
crueldade contra seus vizinhos. O orgulho de Esaú quando menosprezou as
coisas de Deus, atingiu tragicamente as gerações posteriores.
O desconhecido autor aos Hebreus deu um conselho profundo ao
exemplificar como não podemos agir. Para comparar, ele usou o exemplo
de Esaú ao dizer: “E ninguém seja devasso ou profano, como Esaú… que,
querendo ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar
de arrependimento, ainda que com lágrimas o buscou”.29
Perceba que mesmo com lágrimas, Esaú não foi perdoado e, antes que
pensemos ser aquilo um ato de crueldade de Deus, lembremos que lágrimas
não necessariamente representam arrependimento, uma vez que podem ser
um mero sinal de remorso. Parece ter sido esse o caso dele. Arrependimento
sincero depende da veracidade e intencionalidade do choro. O de Esaú não
comoveu, tanto que ele foi rejeitado e ignorado.
Deus está sempre disposto a perdoar a qualquer tempo todo aquele que
se arrepende, pois não pode negar a sua própria palavra em que disse: “Os
sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e
contrito não desprezarás, Ó Deus”.30
De certa forma e respeitada as devidas proporções, Saulo de Tarso agia
exatamente igual aquele povo cruel. Os Edomitas chegaram ao ponto de se
esconderem nos caminhos de fuga de seus irmãos israelitas quando estes
estavam sob ataque inimigo.
Ali eles os capturavam e levavam de volta aos oponentes, para que eles os
torturassem publicamente, os matassem e inclusive os arremessassem de volta
para dentro das muralhas de Jerusalém por meio de catapultas, quando estes
estavam em estado de decomposição. Os cadáveres viravam munição numa
guerra psicológica e biológica já que eram eficientes fontes de propagação de
doenças.
O povo de Deus orava muito quanto àquilo. Faziam orações imprecatórias
em que clamavam a Deus pelo castigo certo e imediato aos seus cruéis inimigos.
A Bíblia mostra que não vale a pena ser alvo de orações imprecatórias. Saulo
com toda certeza o foi. Os Salmos são preciosos exemplos dessa verdade:
Levanta-te, Senhor! Ergue a tua mão, ó Deus! Não te
esqueças dos necessitados. Por que o ímpio insulta
a Deus, dizendo no seu íntimo: “De nada me pedirás
contas!”? Mas tu enxergas o sofrimento e a dor; observa-os para tomá-los em tuas mãos. A vítima deles entrega-se
a ti; tu és o protetor do órfão. Quebra o braço do ímpio e
do perverso, pede contas de sua impiedade até que dela
nada mais se ache. Senhor é rei para todo o sempre; da
sua terra desapareceram os outros povos. Tu, Senhor,
ouves a súplica dos necessitados; tu os reanimas e atendes
ao seu clamor. Defendes o órfão e o oprimido, a fim de
que o homem, que é pó, já não cause terror.31
Orgulho mata, mas não só as vítimas dos orgulhosos como também os
próprios algozes. Obadias, o menor dos livros do Antigo Testamento, trouxe
uma revelação muito séria sobre a conduta dos Edomitas quanto aos seus
irmãos. É de gelar os ossos a profundidade da condenação de Deus emitida
aquele povo localizado ao leste do mar morto e ao sul de Moabe. O orgulho do
coração deles os enganou.
A sentença foi declarada sobre eles: “Porque o dia do Senhor está perto,
sobre todos os gentios; como tu fizeste, assim se fará contigo; a tua recompensa
voltará sobre a tua cabeça”. O texto inclusive mostrou um pouco antes o que
é que eles faziam:
Por causa da violência feita a teu irmão Jacó, cobrir-te-á
a confusão, e serás exterminado para sempre. No dia em
que o confrontaste, no dia em que estranhos levaram
cativo o seu exército, e os estrangeiros entravam pelas
suas portas, e lançaram sortes sobre Jerusalém, tu eras
também como um deles. Mas tu não devias olhar com
prazer para o dia de teu irmão, no dia do seu infortúnio;
nem alegrar-te sobre os filhos de Judá, no dia da sua
ruína; nem alargar a tua boca, no dia da angústia; Nem
entrar pela porta do meu povo, no dia da sua calamidade;
sim, tu não devias olhar satisfeito o seu mal, no dia da
sua calamidade; nem lançar mão dos seus bens, no dia
da sua calamidade; Nem parar nas encruzilhadas, para
exterminares os que escapassem; nem entregar os que lhe
restassem, no dia da angústia.32
Paulo aprendeu aquela lição e fez questão de repassar aos seus ouvintes.
Aos romanos ele escreveu:
A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas
honestas, perante todos os homens. Se for possível,
quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens.
Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai
lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu
recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo
tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber;
porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a
sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal
com o bem.33
Essa é uma verdade eterna, seja para Paulo ou para cada um de nós tantos
séculos depois. O mal que se faz às pessoas e não importa qual é a forma de
expressá-lo, na realidade é contra Deus que se faz. Uma hora a cobrança chega.
Como dito no empolgante filme intitulado de O Plano Perfeito34 “quanto
mais se foge dos seus pecados do passado, mais cansado vai estar quando
eles te alcançarem”. Um dia Deus cobra o preço do mal praticado ou como
dizem alguns “a fatura sempre chega”.
Como seu “Senhor Jesus”, Paulo estava agora firmemente convencido de
que o pecador (como o coletor de impostos no templo) era justificado por
Deus com base numa confiança incondicional sem ter conquistado tal graça
por suas próprias realizações nem ser capaz de conquistá-la por obras pias
da lei.35
Ninguém morreria por uma mentira, especialmente daquela maneira tão
cruel e dolorosa. Possivelmente Estevão era tão corajoso e aguerrido quanto
Paulo. Aquela atitude o fez se identificar com aquele mártir mesmo ambos
estando em lados opostos da vida naquele momento. Aquele evento não
tinha como ficar esquecido. Impactou muito a Paulo, entretanto, não devia
ser o único, pois o sentimento de culpa devia corroer suas lembranças. - “ERA TUDO CULPA DELE”
As lembranças dos gritos de esposas separadas à força de seus maridos,
o clamor por misericórdia que homens fizeram para que não tivessem suas
famílias esfaceladas, os muitos choros de crianças desesperadas ao verem seus
pais arrancados de si, os olhares, as lágrimas e as imprecações, em suma, tudo
aquilo teve e ainda tem o potencial de mexer com as emoções até do mais duro
homem sobre a terra.
Independente do seu controle, Paulo estava repleto de memórias exatamente
como somos cada um de nós hoje. De fato, tudo em nossa volta nos ativa a
memória. No caso dele, fosse um cheiro de fumaça das casas queimando por
ordem sua, fosse o odor desagradável do sangue derramado, o suor, a urina e
talvez as fezes involuntárias de suas vítimas quando violentamente capturadas
e, por vezes, executadas na sua presença.
Seja um sabor, um toque pelo tato, uma imagem de gente correndo
desesperadamente em fuga ou sendo sangrada cruelmente diante de si.
Seja pelo som, dos clamores, gritos, imprecações e expressões de dor. Tudo
aquilo estava arquivado na mente do apóstolo e como fazia parte do seu
subconsciente, mais hora menos hora aquilo viria à tona em forma de cenas
montadas, mesmo que não lhe fosse intencional provocar aquelas lembranças.
Só o perdão lhe daria paz. - SÓ O PERDÃO SELA A PAZ ENTRE O TRAVESSEIRO E A CONSCIÊNCIA
A distante cidade de Pesqueira no coração do agreste pernambucano
testemunhou, dentre tantas tragédias familiares, uma bastante impactante.
Seja pela característica das pessoas envolvidas, pela ação sangrenta do
criminoso ou mesmo pelas consequências do ato praticado. Aquela história
pode ser comparada aos piores filmes de terror, aliás, daria um bom enredo
para uma obra cinematográfica daquele estilo.
O protagonista dela foi um homem, outrora estável economicamente, mas
que, por conta do abuso do álcool, acabou perdendo tudo que tinha na vida,
inclusive a sua preciosa paz. A propósito, ele perdeu muito mais do que isso,
pois, por ser um notório alcoólatra, perdeu a família e também a sua liberdade.
Contudo, não foi só ele que perdeu. As pessoas que ele amava perderam
muito também. Seus filhos perderam um pai, o mais novo, um cuidador, e
a esposa, a vida. Em meados do ano de 2015/2016, aquele homem, agora já
idoso, convivia com a culpa por ter assassinado friamente sua mulher. Não
obstante fosse educado, pacífico e demonstrar muito remorso pelo que havia
feito, seu passado o consumia em vida como a ferrugem faz com o metal.
Para aplacar paliativamente a dor da sua alma, ele fumava muito, chorava
o tempo todo e tinha bastante dificuldade para dormir. Mesmo à base de
medicamentos, o homem praticamente não pregava os olhos a noite. A culpa
o adoecia profundamente como nos moldes da confissão do salmista Davi
quando disse: “Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos
pelos meus constantes gemidos todo o dia. Porque a tua mão pesava dia e
noite sobre mim, e o meu vigor se tornou em sequidão de estio”.36
Ele estava muito adoecido mentalmente, primeiro, por ter assassinado
a esposa com requintes de crueldade, e segundo, por ter deixado dois filhos
órfãos, sendo um deles, o mais novo, especial e, portanto, com esperado
comportamento infantilizado. O outro, que também já era adulto, apesar
de ser saudável mentalmente, apresentava um comportamento bastante
problemático diante das pessoas.
O crime ocorreu logo depois de mais uma noitada regada a bebidas alcoólicas
que o deixaram em completo estado de embriaguez. Naquelas condições
deploráveis a que voluntariamente se submeteu, ele acabou assassinando
a esposa com golpes de faca no interior da cozinha e ainda dormiu ao lado
dela a noite toda tendo a arma do crime colocada entre os dois e os corpos
completamente banhados com o sangue da mulher.
O filho mais novo e que era especial, acordou de manhã e ao chegar na
cozinha deparou com a cena trágica e assustadora. Diante daquilo, se agarrou
ao corpo inerte e sem vida da mãe e começou a bater no pai enquanto chorava
muito e perguntava o que ele havia feito com ela. Sem obter resposta e estando
muito desesperado, o jovem saiu correndo pela rua e então o pai, agora na
condição de homicida, tentou correr atrás do filho e foi aí que se deu conta do
que havia feito.
Decidiu ir espontaneamente para a delegacia e ali se entregar para
responder pelos seus terríveis atos. Foi preso, julgado e condenado, e os filhos,
já carregados de problemas, ficaram sozinhos um cuidando do outro. Todos
os vizinhos passaram a ter medo do filho que era especial, pois ele passou
a demonstrar um comportamento violento com as pessoas e chegou a ser
acusado de cometer um abuso sexual, inclusive.
Enquanto o pai cumpria sua pena imposta, os filhos não foram visitá-lo por
um longo período de tempo, possivelmente por não aceitarem o que ele havia
feito com a mãe deles ou por não o perdoarem por aquilo. A tragédia ainda
devia estar muito viva na mente deles.
Aquele distanciamento prolongado e a indiferença demonstrada por eles,
corroía a alma do prisioneiro. Findada as atividades diárias e por mais que
tentasse, o sono não o visitava à noite. Ele tomava muitos medicamentos para
dormir, mas era tudo inócuo e em vão. Como diz o ditado popular, o sono
fugia dele como o diabo foge da cruz, uma vez que as memórias lhe roubavam
a paz tão necessária para um sono tranquilo e reparador.
Com as mulheres que prestavam serviço na prisão ele demonstrava um
claro desejo de ajudar. Aparentava ser uma pessoa muito gentil e solícita,
buscando conversar bastante com todas elas, entretanto, aparentava muita
tristeza estampada no rosto, vivia muito magro e extremamente abatido. Seu
andar era trôpego como se carregasse um peso insuportável nos ombros.
Aquilo era capaz de chamar a atenção até do mais inocente observador.
Um dia em especial, ele estava muito triste e chorando muito. Aquilo
chamou a atenção de uma terapeuta que saiu em ajuda ao homem. Chorando
copiosamente, ele passou a narrar o testemunho de sua vida pregressa, falar
do excesso de peso que enfrentou outrora, dos problemas de saúde que teve
em razão disso e do abuso do álcool, bem como das crises de ciúmes com
relação a esposa.
Quanto ao filho especial que ele havia deixado desamparado, contou que
o advogado chegou a propor que acusassem o menino pelo crime pois assim
seria mais fácil absolvê-lo, mas ele prontamente rejeitou a proposta. Ele não
tinha dúvidas do que havia feito, e por aquele motivo sentia uma culpa terrível.
Confessou também que não dormia a noite porque sempre sonhava com a
mulher morta. Lembrava das vezes que a agrediu quando se sentiu contrariado
por ela. Disse que não aguentava ouvir as verdades de que havia perdido tudo
na vida por causa da bebida e por isso se irritava sobremaneira quando era
confrontado.
A coisa era tão séria que nos dias de visitas no presídio, ele pedia para fazer
um serviço longe das vistas das pessoas que ali adentravam justamente para
não ver os entes dos demais presos, uma vez que qualquer mulher que fosse
parecida com a sua finada esposa o faria lembrar dela e com isso sofrer ainda
mais. Quando conseguia cochilar, ele ouvia os gritos de desespero dela e por
isso, era melhor ficar acordado.
Depois de iniciada uma terapia individual, ele teve boas reações, até
receber a visita de um irmão que lhe contou como o seu filho mais velho estava
se envolvendo com o mundo do crime. Aquilo o arrasou completamente ao
sentir ser aquele o nefasto legado deixado ao filho. Não era o que ele havia
planejado e esperado na vida. Ele muito se descontrolou ao ponto de ficar sem
dormir naquele dia, passando a gritar a noite toda causando incômodo em
todo o presídio. Teve que ser severamente medicado por isso.
Na próxima sessão de terapia, ele ainda estava sob efeito daquelas drogas
ministradas e sua única atitude foi cair de joelhos diante da profissional e, em
lágrimas, implorar pelo socorro dela. Ele não aguentava mais. Certamente a
medicina e a psicologia não tinham mais ferramentas que pudessem ajudar
aquele infeliz homem a solucionar suas demandas. Só mesmo a graça de Deus
seria capaz de tal mister.
Do mesmo jeito que Paulo, ele entendeu sobre o evangelho que perdoa de
todos os pecados, inclusive os crimes de morte, e alivia toda a culpa. Assim
como fez o apóstolo no caminho para Damasco, o prisioneiro orou entregando
a vida a Jesus. Todavia, diferente do personagem bíblico, depois de tomar
banho e comer, o homem dormiu por três dias seguidos, como nunca havia
feito, já Paulo não havia pregado os olhos.
Ao acordar depois daqueles três dias de sono profundo, ele era outra pessoa.
Sua face havia mudado. Foi na sessão de terapia e disse com convicção que
era culpado pelo crime que cometeu, mas não culpado pela vida desgraçada
que levou. Encerrou a fala dizendo que Jesus o havia perdoado! Como dito no
Salmo mencionado outrora, ele podia agora dizer que: “Confessei-te o meu
pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. Disse: confessarei ao SENHOR
as minhas transgressões; e tu perdoaste a iniquidade do meu pecado”.37
Depois daquela decisão, sua vontade de fumar havia reduzido muito e ele
precisava contar aquilo tudo aos filhos. Na primeira visita que o filho especial
fez, eles não falaram muita coisa, mas ainda assim aquilo lhe foi terapêutico.
O mais velho o visitou tempos depois e ali o homem teve a oportunidade de
contar a ambos o que o afligira por tanto tempo.
Os detalhes daqueles encontros são desconhecidos, inclusive não se sabe
o que ele fez depois de sair da prisão tempos depois, mas isso não importa,
afinal de contas, ele teve todas as condições de deixar para trás a culpa, o
remorso e a vida no cárcere para assim seguir em frente. Certamente ele
nunca se esquecerá do que fez e viveu no passado, mas poderá levar uma vida
cheia de lembranças, contudo, em paz. De Paulo, ao contrário, sabemos bem o
desfecho de sua história de arrependimento.
Deus não apagou na mente paulina tudo que ali estava registrado por conta
de sua vida pregressa, Deus o perdoou! Perdão é esquecimento por parte
do divino, mas não do perdoado. Paulo sabia que seria assim, pois, doutor
em Antigo Testamento como era, conhecia bem de perto o que havia sido
profetizado por Ezequiel: “vos lembrareis dos vossos maus desígnios e das
vossas práticas malignas, e tereis nojo do vosso ímpio comportamento, das
vossas abominações e de todos os pecados que cometestes”.38
Nem sempre a pessoa tem culpa no evento fatídico, mesmo assim, as
memórias incomodam. - EU NÃO TIVE CULPA, EU NÃO TIVE CULPA!
Nos idos do ano de 1995, dois destinos se cruzaram de forma trágica na
querida capital pernambucana do Recife. Linhas de trem e metrô circulavam
por aquela pujante cidade e ali um maquinista, sóbrio e trabalhador teve sua
vida impactada pela atitude de alguns homens ébrios e vadios. Era a viagem
inaugural daquele homem recém contratado, e aquela data marcaria sua vida
para sempre.
Naquela época, na beira da linha do trem existiam vários barracos de
madeira onde funcionavam muitos bares em que homens se amontoavam
para se embriagarem dias e noites sem fim. Como ficavam às margens da linha
férrea, toda hora os maquinistas tinham que acionar a ensurdecedora buzina
da locomotiva para alertarem as pessoas a saírem da linha para não serem
atropeladas, afinal de contas, o freio do trem depois de acionado, não para
imediatamente igual ao dos carros, óbvio.
Alguns bêbados, embriagados mais pelo ócio do que pela cachaça,
resolveram fazer uma brincadeira de muito mau gosto. Era por volta de pouco
mais das três horas da madrugada de uma noite escura e com pouca iluminação
artificial. Eles colocaram um de seus amigos deitado sobre os dormentes da
linha e o cobriram com papelões, para obrigarem o trem a parar.
O novo maquinista percebeu aquela cena estranha sobre a linha férrea e
desconfiou de que poderia estar acontecendo algo anormal. Não imaginou,
entretanto, que poderia se tratar de um ser humano ali e por isso, cumprindo
os protocolos profissionais, acionou os fortes faróis da locomotiva e buzinou
muito para alertar caso fosse uma pessoa que estivesse escondida em meio
aqueles papéis, mas ninguém se mexeu.
Ao passar com o pesado trem sobre aquele amontoado de papelão, ele
percebeu que havia passado por cima de algo diferente, tipo uma pessoa.
Imediatamente acionou os freios, mas o trem só parou depois de passar com
pelo menos a metade da composição sobre aqueles papéis e o que estava no
meio deles.
Ele desembarcou e viu a trágica cena de uma pessoa completamente
esmagada e tendo suas partes misturadas com os restos dos papéis num
emaranhado triste e assustador. Teve que acionar a composição para acabar
de passar por cima daqueles restos mortais para assim poder realizar a perícia
naquele local de crime.
Quem nasce uma vez, morre duas…quem nasce duas, morre só uma vez 427
Revista Batista Pioneira vol. 9 n. 2 Dezembro/2020 Revista Batista Pioneira vol. 9 n. 2 Dezembro/2020
O novato maquinista passou, involuntariamente, por um batismo de fogo.
Foi processado, porém absolvido por aqueles fatos. Que bom. Entretanto,
seu problema não era jurídico, mas puramente emocional. Ele iniciou terapia
e nas sessões que participava só conseguia chorar copiosamente e repetir a
frase “Eu não tive culpa”. A sessão toda ele só dizia aquilo entre as lágrimas
que desciam de seus olhos incessantemente. Por três longos meses foi essa
dinâmica sem qualquer evolução.
Por questões burocráticas, a terapeuta teve que ser trocada e quando deu
a notícia ao paciente, só então o homem resolveu abrir o coração e contar
a história em todos os seus detalhes minuciosamente. Ao relatar tudo, ele
completou sua fala dizendo algo mais ou menos assim; “eu realmente não tive
culpa naquela situação e eu sei que Deus vai me ajudar, pois eu não tenho
mais nada que possa fazer”. O homem se levantou ao final, apertou a mão da
terapeuta e foi embora.
Os anos se passaram e, naquelas alegres coincidências da vida, o maquinista
já aposentado por invalidez, encontrou-se fortuitamente com a terapeuta em
outro município pernambucano e mais que depressa, abriu o coração para
ela dizendo que a cada sessão terapêutica que ia, ele ficava remoendo a culpa
e dizia a todo tempo que não tinha culpa justamente porque na verdade, se
sentia culpado.
Ele enfim pôde encerrar aquele doloroso processo depois de meses,
quando possivelmente percebeu que, com a troca do terapeuta, talvez tivesse
que reiniciar todo aquele processo. Ele não queria aquilo, é claro. O homem
fechou aquele ciclo em sua vida e foi liberto daquele sentimento de culpa que
o assolava.
Assim como Paulo foi perdoado, ele deve ter entendido que tinha que
perdoar aos outros que lhe causavam sofrimento. Pelo menos quanto ao
apóstolo podemos dizer que Deus o ensinou inclusive quanto a proporção
e dimensão do perdão. Como ensinou o Pastor Charles Spurgeon certa vez:
“Perdoe e esqueça. Quando você enterra um cão raivoso, nunca deixa a
cauda dele de fora”. Seja Paulo ou o arrependido maquinista, ambos queriam
ter apagadas suas memórias ruins do passado, contudo, aquilo lhes era
impossível – porque? - SOMOS FORMADOS DE LEMBRANÇAS – BOAS E RUINS
Sabemos que memórias não se apagam, antes, porém, são transformadas
em comportamentos. Pensando nisso, os estúdios Disney lançaram um longa metragem que se sagrou vencedor do Oscar de melhor filme de animação em
2015, tudo devido à beleza e profundidade da temática abordada. Seu nome?
Divertidamente.39
A animação se passa no mundo real, mas acima de tudo na mente de
uma garotinha quando suas emoções interagem entre si. Numa das cenas do
filme, foi retratado dois funcionários escolhendo quais memórias se deveriam
manter em arquivo (no inconsciente) e quais deveriam ser jogadas naquilo
que chamaram de “mar das memórias” ou lixão. O critério de escolha para
descarte seriam as memórias que estavam mais obsoletas ou desbotadas por
não serem mais importantes. A funcionária explicou que “quando não damos
bola para uma memória ela desbota. Acontece com a melhores”, segundo ela.
Mas aquilo não poderia ser assim, pois todas as memórias são importantes,
conforme afirmou a protagonista da animação, a personagem de cabelo azul
e vestido verde que representa o sentimento de alegria da garotinha. Ela
mostrou que memórias não podem ser descartadas ou apagadas pois todas
elas “são importantíssimas para formação”.40
Quanto ao caso de Paulo, por conta das muitas memórias que possuía, aquela
seria a hora de tudo aquilo vir à tona e ser colocado para fora. Suas emoções
estavam se comunicando umas com as outras. Foram tantas dúvidas e tantas
certezas arruinadas ao mesmo tempo que dias e horas foram necessários para
que pudesse fruir bem aquela conversa de filho para pai – interrupções não
seriam bem-vindas ali, uma vez que tinham muito a conversar.
Só depois daquela longa, sincera e dolorosa oração, a salvação chegou
àquela alma destruída. Enfim havia chegado o momento de nascer de novo, e a
condução daquele ato seria concedido a um discípulo chamado Ananias, que,
embora recalcitrante, ouviu a ordem de Deus confirmando a ele que naquela
mesma hora Paulo havia acabado de ser salvo.
Definitivamente Paulo havia entendido o que era uma oração verdadeira,
daquela que alcança os ouvidos de Deus e não os meros formalismos inúteis
que seguiu no judaísmo durante toda a sua vida.
Carson explicou bem a diferença entre oração cristã genuína e oração
ritualística judaica quando afirmou que: “A voz do homem, ao se dirigir a
Deus, nunca é a gravação pré-programada de um robô; ela é a adoração do
louvor, o grito do desespero, o alívio da gratidão, a petição do necessitado.
Não há lugar em que o caráter pessoal e responsável do homem seja visto mais
claramente do que em suas orações de intercessão e petição”.41 Agora sim,
mediante uma oração sincera, ele havia nascido de novo.
Não era mais o astuto e cruel Saulo, o perseguidor da igreja. Agora era
uma nova criatura, um bebê na fé que precisava ser conduzido pelas mãos.
Pela graça de Deus, o voluntário líder da reação anticristã ficou impotente e
precisava de ajuda para caminhar, sendo guiado pela mão, como uma criança.42
Chegou a Damasco, cego, indefeso e submisso. Que mudança drástica!
Deus ordenou à Ananias, discípulo que certamente seria uma das vítimas
do perseguidor caso ele não fosse convertido ali, para ir, pois para Ele, Saulo
era, doravante, um instrumento escolhido, a fim de levar o seu nome diante de
gentios e seus reis, e perante o povo de Israel.43
O texto sacro mostra que Ananias foi e, entrando na casa, encontrou não
uma autoridade arrogante e altiva, mas um servo humilhado, prostrado e
orando. Justamente por isso, impôs sobre ele as mãos, declarando: “Irmão
Saulo, o Senhor Jesus que lhe apareceu no caminho por onde vinhas, enviou-me a ti para que tornes a ver e fiques pleno do Espírito Santo!” Imediatamente
lhe caíram dos olhos algo parecido com umas escamas, e ele passou a ver de
novo. Em seguida, levantando-se, foi batizado.
O nascimento de uma nova vida é sempre um momento emocionante. Qual
pai e mãe não se acabam em lágrimas ao ouvir o primeiro choro do recém-nascido? O de Paulo, não foi nada diferente, especialmente depois daqueles
longos três dias de trabalho de parto. E, depois de alimentar-se, ganhou novas
forças e passou vários dias na companhia dos discípulos em Damasco. Ao
brotar do primeiro amor, Saulo começou imediatamente a evangelizar.
Foi exatamente por isso que anos depois, ele explicou de maneira simples
e direta como ser salvo e como reconhecer alguém que finalmente recebeu
esse privilégio na vida. Aos romanos ele disse que a pessoa precisa confessar
com a boca ao Senhor Jesus, e no coração ela deve crer que Deus o ressuscitou
dentre os mortos, pois só assim serás salvo.44
Quando da sua conversão, ele sentiu na pele o mesmo que Davi, o grande
rei de Israel do passado, pois, como fariseu que era, conhecia muito bem o
conteúdo dos Salmos e pôde se lembrar da dolorosa declaração do homem
segundo o coração de Deus quando disse: As minhas lágrimas têm sido o meu
alimento de dia e de noite.45 Por três dias aquela tinha sido a sua refeição
também.
O choque da mudança foi tão traumático para Paulo especialmente
porque ele levava muito a sério algo como o jargão contido na bandeira do
município de São Paulo, em que logo abaixo do escudo, vem descrito o dístico
“Non Ducor Duco”, em latim, que traduzido quer dizer “Não sou conduzido,
conduzo”. O parto estava realizado e a identificação pelo olhar entre ele e
Cristo estava completada.
A ciência já comprovou que a ligação e a troca de olhares entre mãe e
filho é visto como algo muito significativo para o relacionamento dos dois
durante toda a vida. Também há um consenso de que os cuidados iniciais são
importantes e podem realmente moldar a personalidade da criança.46 Deus
agiu assim com ele cuidando de cada passo dado. Antes, ele era cego, agora
não mais. Não foi o único. - I WAS BLIND BUT NOW I SEE
A título de exemplo, outro parto traumático foi reconhecido pela história
dezenas de séculos depois do de Paulo, entretanto com requintes dramáticos
semelhantes àquele. Nascido em Londres, em 1725, filho de marinheiro
mercante, John Newton começou a acompanhar o pai em alto-mar aos 11
anos.47 Como reconheceu mais tarde, ele tinha uma visão perfeita embora
fosse verdadeiramente cego (I Was Blind…) provisoriamente.
Depois de um curto tempo na Marinha, Newton arranjou uma transferência
para um navio negreiro, iniciando, assim, sua carreira como traficante de
escravos. Passado um tempo, quando seu navio estava preparado para viajar
para as Américas, ele resolveu negociar com o seu comandante para ficar,
mas se arrependeu da decisão e mudou de ideia. Por esse motivo, foi tratado
como indigente e quase morreu de fome, mas foi ajudado por escravos que
compartilharam sua comida com ele.
No mar, em uma de suas viagens, Newton e quem estava com ele
enfrentaram uma grande tempestade. As ondas que quebravam sobre o navio
causaram graves danos e isso os levou a crer que iriam afundar. Mas depois
de horas retirando a água do navio, Newton gritou: “Se essa tragédia não vai
terminar, que o Senhor tenha misericórdia de nós”. Imediatamente, começou
a se sentir constrangido e indigno, tanto que pensou: “Que misericórdia
poderá haver para mim?”
“Eu pensei que nunca houve ou poderia haver um pecador como eu,
cheguei à conclusão de que meus pecados eram grandes demais para serem
perdoados”, disse Newton. O jeito como ele enxergava os negros escravizados,
não era diferente de como Saulo via os cristãos convertidos.
Semanas depois, passou por outra tempestade, mas entregou sua vida a
Cristo, achando que ia morrer. Depois de ter sobrevivido, ele descobriu que
existe um Deus que ouve e responde às orações. Apesar de sua conversão,
John Newton continuou a trabalhar como traficante de escravos, totalmente
cego para os males da escravidão por causa de sua cultura e também por
interesse próprio.
Ele transportou muitas cargas de escravos africanos para as Américas.
Durante as viagens, os escravos não podiam falar, nem gritar. Então, eles
sussurravam sons sem pronunciar palavras. Aquela forma de melodia ficou
conhecida como “o lamento da África Ocidental”. Enquanto transportava os
escravos, Newton ouviu a canção em forma de lamento, escreveu as palavras
“Amazing Grace” e ajustou a letra deste hino tão conhecido naquela melodia
escrava.
Amazing Grace se tornou o maior hino cristão da história. Com mais
de 200 anos, é a canção mais gravada de todos os tempos. Embora possa
parecer uma história regada a romantismos e exageros, e não duvido que o
seja, fato é que ele depois de muito sofrer com suas lutas internas, finalmente
foi transformado e, nascendo para Cristo definitivamente, contribuiu para a
abolição da escravidão e declarou sua conversão ao registrar para a posteridade
seu testemunho:
Eu não sou o que eu devia ser.
Eu não sou o que eu quero ser.
Eu não sou o que eu espero ser.
Contudo, eu não sou o que eu costumava ser.
E, pela graça de Deus, eu sou o que eu sou.
Pois bem, depois de tudo pelo que passou, ele pôde enfim reconhecer que
de fato era cego, mas agora, ele via (…but now I see) para sempre.
Aqueles homens e tantos outros do passado experimentaram o que para os
Judeus era uma enorme dificuldade de entender, a necessidade de nascer de
novo. Verdade seja reconhecida aqui – para o nascituro, todo parto, seja ele
físico ou espiritual, é traumático48 e transformador. Para Paulo foi bem difícil,
afinal de constas ele era, fariseu. - ELE ERA FARISEU, E DAÍ?
Paulo não só era, como fazia questão de estar entre os melhores dos
melhores de sua época. Como de fato era um judeu, ser o melhor para ele
significava ir a Jerusalém para estudar e imergir no que chamavam de mundo
judaico autêntico – e ele foi. Estando lá, o máximo do privilégio a ser atingido
era estudar aos pés de Gamaliel, o consagrado rabino formador de rabinos.
Foi o que ele fez. Tornar-se um sacerdote seria o ápice da carreira paulina,
porém aquilo ele não teria condições de alcançar.
Não que não possuísse capacidade intelectual para tal, afinal de contas a
detinha com sobras. Paulo foi um prodígio na sua idade. Só não se tornou
sacerdote porque era descendente da tribo de Benjamin e aquele ofício exigia,
por direito de hereditariedade, que o candidato fosse da tribo de Levi. Tornarse um Saduceu também estava fora de cogitação já que ele não compactuava
com as ideologias helenísticas deles e nem tão pouco era membro da nobreza
sacerdotal ou das ricas famílias patrísticas locais.49
O que restava a Paulo, não como última opção, mas como garantia de um
futuro próspero e reconhecidamente relevante como autoridade, era ingressar
na facção mais legalista de todas. O que faria Paulo ser reconhecido como uma
pessoa, digamos, VIP50, era se tornar um fariseu. Foi o que ele fez, tanto que
reconheceu isso ao dizer: “Sou fariseu, filho de fariseus”.51
Um fariseu era alguém que cumpria literalmente as leis mosaicas e os
rituais por ela instituídos. Eram reformadores das mesmas leis e tradições
que seguiam, além de serem fortes influenciadores políticos e pessoas
extremamente religiosas. Teoricamente, eles não negociavam o que criam.
Para um fariseu, “um homem ignorante jamais poderia ser um homem
santo”. Gamaliel, o maior expoente deles, era tudo menos ignorante, portanto,
podia ser considerado um homem santo que, dentre muitas características,
se mostrava extremamente tolerante.52 Esta qualidade última, Saulo não
conseguiu internalizar em si, pelo menos não até se tornar Paulo.
Embora há quem aponte um erro na afirmação de Lucas de que Paulo era
filho de fariseus, parece que nada há de controverso naquela sua colocação,
pois os fariseus tinham por hábito, acolherem bem os simpatizantes de suas
causas e que as retransmitiam a sua prole. Mais tarde, Paulo veio a se orgulhar
de ter sido um homem absolutamente zeloso das tradições passadas por seus
pais de forma oral.53
Aquela forma de ensino era algo sagrado para eles, a qual incluía a tradição
de o homem se casar em idade precoce. Eles formavam uma minoria em sua
época, mas como dizemos hoje, uma minoria barulhenta.
Entretanto, o que essa informação traz de relevante a nós quanto ao perfil
psicológico do apóstolo aos gentios? O fato de podermos perscrutar a vida
matrimonial dele, afinal ao que parece, celibatário era a última coisa que ele
deve ter sido. - CELIBATO NÃO ERA UMA OPÇÃO
Pouco ou quase nada se fala a respeito da vida matrimonial de Paulo,
justamente porque os textos bíblicos nem fazem menção àquela condição,
muito menos as cartas por ele escritas. Por conta disso, a maioria dos
estudiosos da Bíblia vão dizer que, quanto ao casamento paulino, isso sequer
chegou a existir.
Os historiadores de épocas mais recentes nada escreveram a esse respeito,
dando a entender assim, que na verdade, aquela era uma questão tão óbvia
que nem precisava ser mencionada. Caso fosse uma exceção, ou seja, no caso
de Paulo ser um fariseu solteiro, aquilo não passaria em branco pois seria uma
raridade digna de nota.
Detalhes históricos, culturais e princípios bíblicos correlatos nos ajudarão
a explicitar isso detalhadamente ao ponto de tentarmos dirimir essa dúvida
milenar. O primeiro indício era o fato de Paulo ser integrante do Sinédrio.
Sinédrio54 tem origem na palavra grega Synédrion, que significa “sentar-se
juntos”. Era a corte Suprema de Israel na época de Paulo. Ele dava assistência
ao sumo sacerdote do Templo de Jerusalém, que era o seu chefe supremo.
Era composto de 71 membros. Dele podiam participar anciãos, os sumos
sacerdotes depostos, sacerdotes saduceus e na época de Paulo, Escribas e
Fariseus em número maior.
Sendo assim, como ensina um estudioso do assunto, todos os membros do
Sinédrio deveriam ser casados. O apóstolo Paulo, como fariseu e discípulo de
Gamaliel, seria membro daquele seleto grupo, o qual exigia para se fazer parte
dele, a necessidade de ser judeu, obviamente, mestre da lei e casado. Paulo
não seria juiz do povo sendo solteiro.55
Um fariseu que se prezasse, deveria conhecer minuciosamente o
conteúdo da Torá, os cinco livros da lei de Moisés. De cara, um mandamento
crucial a ser obedecido, era o contido em Gênesis, no qual Deus ordenou
que as pessoas deviam “crescer e multiplicar”, ou seja, o casamento para
um fariseu não seria uma opção, mas sim uma obrigação.56
O sábio rabino Gamaliel de Jerusalém recomendava aos jovens
não adiarem seu casamento para muito depois dos vinte anos, já Filo
de Alexandria, o brilhante filósofo judeu helenista, afirmava que o
dobro daquilo seria a idade ideal para um homem sábio se casar. Era
completamente esperado que Paulo acompanhasse seu mestre e não o seu
concorrente acadêmico direto. O’CONNOR forneceu mais elementos que
comprovam o fato de Paulo ter sido casado:
Como imigrante da Diáspora que desejava
desesperadamente ver-se integrado na sociedade,
pouca dúvida resta de que Paulo tenha correspondido
alegremente a expectativa geral de que um jovem devesse
se casar perto de seus vinte anos. Ele não poderia ter feito
seu autoelogio de Gálatas 1.14 se tivesse desobedecido de
modo tão flagrante a essa obrigação social fundamental.57
O mesmo autor ainda afirmou que era quase certo que sua noiva seria
de uma família de fariseus. Tudo aquilo faz muito sentido de acordo com o
arcabouço histórico cultural da época.
Eusébio (263-340), o importante historiador e bispo de Cesareia, cidade
imponente de Israel especialmente nos primeiros séculos da era cristã, relatou
algo bem interessante a respeito do assunto. Quando a igreja queria proibir
seus líderes de se casarem, ele forneceu uma informação de muito impacto.
Ele disse que “Paulo não se nega em certa epístola (Stromata58) a mencionar a
própria esposa, a quem não levava consigo, a fim de facilitar seu ministério.59
Outra verdade sabida e comprovada é que ele jamais se casou uma segunda
vez. A confirmação vem dele mesmo: “Digo, porém, aos solteiros e às viúvas:
é bom que permaneçam como eu”.60
Reconheço que as perguntas mais óbvias do mundo a surgir quando se
aborda esse assunto são: quem foi sua esposa ou quem foram seus filhos?
Qual o paradeiro deles todos? E a melhor de todas: porque Paulo nunca os
mencionou? Ninguém até hoje dispôs de dados capazes de responder a essas
questões tão pessoais. Com certeza não serei eu o solucionador de tamanho
mistério.
Contudo, aquela recomendação dada à igreja dos Coríntios, nos fornece
uma pista crucial. Ele aconselhou duas classes de pessoas, no caso, as
solteiras e as viúvas. Parecem dois estados civis nos quais ele os conhecia
bem, justamente por ter feito parte de ambos. O primeiro antes de casar,
é óbvio, e o segundo, quando sua esposa, e talvez os filhos que tiveram,
faleceram.
Ou Paulo era solteiro, possibilidade essa já culturalmente descartada, ou
ele era, o que parece bem mais razoável, um viúvo. Divorciado, por sua vez,
era uma condição que nem se cogitava, pois nada apontava nesse sentido.
No ato de sua conversão, Paulo ainda era um homem jovem e em pleno
gozo de suas capacidades físicas e mentais, entretanto, poderia estar
enlutado ou em vias de ficar assim. Porque nunca falou sobre isso? Devemos
compreender empaticamente que a dor da perda não é das mais fáceis para
ninguém. Por que seria para Paulo?
Em recente estudo sobre o luto, um autor61 nos apresentou verdades
incontestáveis. Para ele, a ausência de um familiar poderá levar à solidão
existencial, em que todos os socorros e proteções serão ineficazes para
debelá-la. Não que seja exatamente o caso de Paulo, mas o fato dele não
tratar do assunto nos leva a acreditar que passou por uma perda que lhe foi
muito dolorosa de recordar, e por isso, como muitos, ele preferiu o silêncio.
Na literatura, o luto é definido como um conjunto de reações e
comportamentos desencadeados pelo rompimento de um vínculo existente
entre dois indivíduos,62 porém, a palavra luto não é utilizada para designar
a perda em qualquer tipo de circunstância, mas é reservada ao processo
ao qual uma pessoa fica submetida ante a morte de um ente querido.63 As
reações de Paulo em muito nos remetem a acatar a possibilidade dele ter
passado por aquele estado.
Talvez durou por toda sua vida, afinal de contas, o tempo do luto não
pode ser precisado, podendo durar meses ou anos, e até mesmo nunca
terminar.64 Ainda assim ele seguiu normalmente com a sua vida, o que
também pode ser um indício de alguém que tenha perdido um ente querido.
É fato comprovado que diante de uma perda, as pessoas são impelidas a
voltar o mais depressa possível à rotina e fingir que nada aconteceu.65
Caso seja verdade a hipótese aqui aventada, o silêncio paulino a respeito
da morte da sua família é completamente justificável. Conforme dito por
estudiosos, deve-se considerar que o luto é vivenciado por cada indivíduo
de maneira diferente, e cada um manifesta seu pesar com maior ou menor
emoção, não sendo possível estabelecer padrões para as reações que se
seguem à morte de um ente.
Devemos também concordar com os especialistas quando dizem que, o que
se pode afirmar com certeza, é que a morte será sentida pela pessoa que fica,
e que esta necessitará de meios para expressar o seu pesar. Uma das formas
pode ser o não tocar no assunto, especialmente se a morte ocorreu de maneira
trágica, o que pode ter sido o caso de Paulo.
Ou sua possível esposa morreu jovem e de causas naturais, o que já seria
traumático devido a precocidade da perda, ou morreu tragicamente em algum
acidente grave que ele jamais ousou mencionar. Seja como for, o altivo fariseu,
ficou profundamente marcado por aquela perda, volto a dizer, se é que ela
ocorreu. Aquele homem precisava muito ser desconstruído por Deus.
O mundo gentílico e pagão tinha pressa em receber a mensagem salvadora
do evangelho, entretanto não podemos esquecer que Deus estava no controle
de tudo e precisava preparar alguém aguerrido e destemido para aquele fim.
Saulo de Tarso foi o escolhido pois Deus conhecia-lhe o coração.
Algo semelhante pode ser visto no cômico filme Vovozona 366, quando
aparece um jovem casal conversando e iniciando um flerte que termina num
discreto beijo. Naquela conversa, a garota que era uma talentosa musicista
romântica, disse algo interessante ao rapaz, também cantor, porém de Hip
Hop.
Ela narrou brevemente a história do vitorioso rapper americano Jay-Z67
dizendo que ele gravou seu primeiro sucesso somente aos 27 anos e então
explicou o motivo da aparente demora dele: “O mundo tinha pressa, mas ele
esperou para ser perfeito”.
Em Paulo foi o que Deus fez: esperou o momento certo e o preparou para
isso. Como? O desconstruiu para então o construir novamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Paulo de Tarso precisou nascer duas vezes para então se tornar um filho de
Deus e ser amplamente utilizado por ele em sua obra na terra.
O processo todo não foi nada fácil, afinal de contas muitas coisas precisaram
ser desconstruídas na mente dele. De arrogante a humilde, de Fariseu a Cristão
e de perseguidor a perseguido, o caminho da transformação foi lento, gradual
e necessário. O resultado final valeu a pena.
Algumas dúvidas milenares a respeito da vida de Paulo, o apóstolo aos
gentios, foram suscitadas e algumas respostas foram sugeridas, cabendo ao
leitor e estudioso das escrituras, uma busca mais minuciosa e detalhada.
Exemplos de outros personagens bíblicos foram amplamente utilizados
bem como histórias reais de pessoas cujos nomes foram protegidos, além de
várias citações de obras fictícias que foram produzidas pela sétima arte. A
proposta foi nos ajudar a compreender um pouco e de forma empática, quem
foi e em que se tornou Paulo de Tarso.
Ele foi um lutador desde muito cedo e travou as piores batalhas contra
seu pior inimigo, ele mesmo. Procurou imitar a Cristo em tudo em sua vida e,
embora tenha errado e caído várias vezes, manteve-se fiel a este propósito por
toda vida. Por estas e outras coisas ele serve de baluarte da fé, de paradigma
do cristianismo verdadeiro e é digno de ser imitado por todos que amam e
servem a Deus.
Paulo de Tarso nasceu duas vezes, por isso, a única morte com que devia
se preocupar era a física, mas nem isso o angustiou pois sabia que o céu o
aguardava brevemente tão logo encerrasse sua existência aqui. Ele nasceu
duas vezes e morreu somente uma.
REFERÊNCIAS
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A Revista Batista Pioneira está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição – Não Comercial – Sem Derivações – 4.0 Internacional
1 O autor é graduado em Ciências Policiais e de Ordem Pública, graduado e mestre em Teologia e Bacharel em Direito. É professor de Novo Testamento na Faculdade Teológica Batista de Campinas/SP. E-mail: es.pedrosa@hotmail.com
2KÜNG, Hans. A igreja católica. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 52-53.
3ROBERTSON, A. T. Épocas na vida de Paulo: um estudo do desenvolvimento na carreira de
Paulo. Rio de Janeiro: JUERP, 1987, p. 17-18.
4 Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/biologia/mimetismo.htm. Acesso em 22 jun.
2020.
5 CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota
[recurso eletrônico] / Olavo de Carvalho; organização Felipe Moura Brasil. Rio de Janeiro:
Record, 2013, p. 28.
6 Cf. 1 Coríntios 15.8-10.
7 Quatro diferentes famílias – Kahnwald, Nielsen, Doppler e Tiedemann – vivem em Winden,
uma pequena e aparentemente tranquila cidade alemã. A rotina dos moradores vira de cabeça
para baixo quando duas crianças desaparecem misteriosamente, nas proximidades de uma
antiga usina nuclear. Segredos familiares começam a emergir à medida que a polícia investiga
os sumiços e logo percebe uma relação com eventos também sombrios do passado. O tempo
e o espaço parecem se embaralhar cada vez mais, deflagrando uma série de tragédias que,
curiosamente, se repete a cada geração.
8 Convém primeiro entender o significado: “recalcitrar” significa confrontar, resistir, e “aguilhão” é uma espécie de espeto de ferro, de bronze ou até de prata, com o qual os carroceiros prendem o gado para puxar a carroça. Porém quando o boi era muito bravo ele se debatia contra os aguilhões e acabava se ferindo. Disponível em https://marcosandreclubdateologia.blogspot.com/2012/10/interpretacao-biblica[1]recalcitrar_21.html. Acesso em 22 jun. 2020.
9 Cf. Atos 9.5 e 26.14 respectivamente.
10 GARDNER, Paul. Quem é quem na Bíblia Sagrada. São Paulo: Vida, 2005, p. 507.
11 Cf. Atos 9.1.
12 Cf. Atos 8.3; 1 Coríntios 15.9; e Filipenses 3.6.
13 Cf. Gálatas 1.15.
14 Disponível em https://www.letras.mus.br/rodolfo-abrantes/um-presente-pro-futuro/. Acesso em 19 jul. 2020.
15 Disponível em https://www.letras.mus.br/pr-lucas/pintor-do-mundo/. Acesso em 11 jul. 2020.
16 BÍBLIA DE ESTUDO CONSELHEIRA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2019, p. 1738.
17 Bíblia King James Atualizada Português. Por três dias esteve cego, durante os quais não comeu, nem mesmo bebeu. Cf. Atos 9.9 18 GARDNER, 2005, p. 508.
19 Cf. 2 Samuel 12.16-18.
20 Cf. Romanos 12.21.
21 Filme Paulo, o apóstolo de Cristo.
22Cf. Atos 7.51.
23 ROBERTSON, 1987, p. 34.
24 Cf. Atos 22.20.
25 Cf. Atos 5.38-39.
26Cf. Mateus 25.35-45.
27Cf. Atos 9.4-6.
28Cf. Salmos 15.1-5.
29 Cf. Hebreus 12.16-17.
30 Cf. Salmo 51.17.
31 Cf. Salmo 10.12-18.
· 32Cf. Obadias 1.10-15.
33Cf. Romanos 12.17-21.
34 Quatro pessoas vestidas com uniformes de pintor entram no movimentado banco Manhattan Trust. Em poucos minutos elas controlam o local, para a realização de um assalto planejado em detalhes. Após a notícia do assalto ser divulgada chegam ao local os detetives Keith Frazier (Denzel Washington) e Bill Mitchell (Chiwetel Ejiofor), que têm a missão de fazer contato com o líder dos bandidos, Dalton Russell (Clive Owen). Os detetives trabalham com o auxílio do capitão John Darius (Willem Dafoe) e esperam que a situação seja resolvida rapidamente. Porém, eles não contavam com a frieza e inteligência de Russell, que parecia estar sempre um passo à frente das ações da polícia. Quando a capacidade de Frazier começa a ser posta em dúvida surge Madeline White (Jodie Foster), uma poderosa jogadora que solicita um encontro particular com Russell. Disponível em http://www.adorocinema.com/filmes/filme-602
35 KÜNG, 2002, p. 45.
36 Cf. Salmo 32.3-4.
37 Cf. Salmo 32.5.
38Cf. Ezequiel 36.31.
39 Riley é uma garota divertida de 11 anos de idade, que deve enfrentar mudanças importantes em sua vida quando seus pais decidem deixar a sua cidade natal, no estado de Minnesota, para viver em San Francisco. Dentro do cérebro de Riley, convivem várias emoções diferentes, como a Alegria, o Medo, a Raiva, o Nojinho e a Tristeza. A líder deles é Alegria, que se esforça bastante para fazer com que a vida de Riley seja sempre feliz. Entretanto, uma confusão na sala de controle faz com que ela e Tristeza sejam expelidas para fora do local. Agora, elas precisam percorrer as várias ilhas existentes nos pensamentos de Riley para que possam retornar à sala de controle – e, enquanto isto não acontece, a vida da garota muda radicalmente.
40 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vfApZomFW64. Acesso em 10 jul. 2020.
41 CARSON, D. A. Soberania divina e responsabilidade humana: perspectivas bíblicas em tensão. São Paulo: Vida Nova, 2019, p. 40.
42 BIBLIA CONSELHEIRA, 2019, p. 1738.
43 Cf. Atos 9.10-18.
44 Cf. Romanos 10.9.
45 Cf. Salmo 42.3.
46 Disponível em https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Parto/noticia/2015/07/nascer-e-o[1]nosso-primeiro-grande-desafio-diz-o-medico-stanislav-grof.html. Acesso em 20 jun. 2020.
47 Disponível em https://br.blastingnews.com/cultura/2017/07/a-verdadeira-historia-do-hino[1]amazing-grace-graca-maravilhosa-001845753.html. Acesso em 20 jun. 2020.
48Nascer é o nosso primeiro grande desafio. Mais do que isso. Tudo o que experienciamos dentro do útero materno e na hora do parto modela nossa psique tanto quanto as vivências posteriores ao nascimento. É o que afirma o psiquiatra tcheco Stanislav Grof, um dos maiores nomes da pesquisa moderna sobre a consciência. Nascido em Praga, em 1931, o cientista incorporou ideias de Sigmund Freud, Carl Jung e Otto Rank, e ajudou a formular os princípios básicos da chamada psicologia transpessoal. Disponível em https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Parto/noticia/2015/07/nascer-e-o-nosso-primeiro-grande-desafio-diz-o-medico-stanislav[1]grof.html. Acesso em 20 jun. 2020.
49 O’CONNOR, Jerome Murphy. Paulo de Tarso: história de um apóstolo. São Paulo: Paulus e
Loyola, 2004, p. 33.
50 Diz-se de um indivíduo de grande prestígio ou poder. 51 Cf. Atos 23.6.
52 Cf. Atos 5.34.
53 Cf. Gálatas 1.14.
54 Disponível em https://www.abiblia.org/ver.php?id=8889. Acesso em 03 ago. 2020.
55 Disponível em http://wilsonalves.comunidades.net/a-vida-de-paulo2. Acesso em 03 ago. 2020.
56 O’CONNOR, 2004, p. 36.
57 O’CONNOR, 2004, p. 36.
58 O Stromata é o terceiro trabalho na trilogia de Clemente de Alexandria sobre a vida cristã (os outros são Protrepticus e Paedagogus). Ele chamou este de Stromateis («Miscelâneas») por lidar com uma variedade de assuntos. Stromata avança mais do que os predecessores e persegue a perfeição da vida cristã pela iniciação no conhecimento. Ele tenta, com base nas Escrituras e na tradição, dar um relato tal da fé cristã que possa responder à todas as demandas de homens letrados e conduzir os estudantes às realidades mais internas da fé.
59 CESARÉIA, Eusébio. História Eclesiástica: os primeiros quatro séculos da Igreja Cristã. Rio
de Janeiro: CPAD, 1999, p. 108.
60 Cf. 1 Coríntios 7.8.
61 Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072011000500027&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em 03 ago. 2020.
62 FRANCO, M. H. P. Cuidados paliativos no contexto hospitalar. In: PESSINI, L; BERTCHINI, L. (org.). Humanização e cuidados paliativos. São Paulo: Loyola; 2004, p. 301-304. 63PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus, 1998.
64OLIVEIRA, J. B. A.; LOPES, R. G. C. O processo de luto no idoso pela morte de cônjuge e filho. Psicologia Estudo [online]. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722008000200003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt.
65 ARIÉS, P. História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. 66O jovem Trent (Brandon T. Jakcson) só queria saber de se tornar um rapper, mas seu padrasto, o agente do FBI Malcolm (Martin Lawrence) tem planos mais ambiciosos para ele. Só que o rapaz atrapalhou uma investigação e acabou testemunhando um assassinato. Agora, os dois precisam encontrar um importante pen drive para botar o tal criminoso na cadeia, mas o arquivo está escondido numa escola de artes cênicas somente para garotas. Chegou a hora de Vovózona (Lawrence) entrar em cena e, agora, acompanhada de sua sobrinha-neta Charmaine (Jackson). Disponível · em http://www.adorocinema.com/filmes/filme-140127/. Acesso em 11 set. 2020.
67 Shawn Corey Carter, mais conhecido como JAY-Z, é um rapper, compositor, produtor e empresário norte-americano. Ele é um dos artistas de hip hop mais bem-sucedidos empresarialmente e financeiramente nos Estados Unidos.